quinta-feira, 10 de março de 2011

Um olhar normal

Uma garota sentada num banco do ônibus. Sozinha. Olhava pela janela a chuva lavando o céu da poluição. Trazia uma fisionomia triste. Pensamentos desolados. O dia correra, rotineiramente, sem imprevistos. Sem surpresas. Sobrara aos cantos, como o de costume. Nas ruas, as pessoas desviavam de seu caminho. Nem ao menos algum par de olhos fora levantado ao seu encontro. Quase perdera o ônibus por um simples acaso, paradoxalmente, comum: o motorista não a enxergara. Na traquilidade do lar, o quarto frio a esperava; o quarto frio e seus objetos frios. A cozinha e suas panelas, brilhantemente organizadas, sós. A sala. o sofá macio. A sala vazia. O sofá desocupado. O dia não fora bom. O dia nem fora ruim. Fora normal. Normal como as pessoas que sempre andavam às pressas. Os diálogos deixados de lado. Normal como o sol de manhã e a chuva ao entardecer. Isso tudo a aborrecia. A normalidade a fatigava. As coisas não mudariam com um simples respirar. O mundo seria o mesmo. As pessoas odeiam mudanças. Elas se amam e, depois, amam o resto. A garota era mais uma pessoa. Não era esgoísta ao desejar um fração da atenção que nunca lhe fora dedicada. Era igual a quem imagina que seja. Amava a si mesma, porque se não amasse ficaria ao léu. E amava o mundo. As outras pessoas, o céu, o tempo; o resto. Ao olhar pela janela, naquele dia no ônibus, viu seu rosto refletido. Ao vê-lo, vislumbrou mais profudamente outro rosto. Percebeu olhos, que não eram os seus, fitando-a pelo reflexo fraco do vidro. Os outros olhos, ao fitá-la, reconheceram na garota que fora descoberto. O par de olhos, rapidamente e disfarçadamente, desviou a vista para a rua e as ávores. Mas voltou a fitar ligeiramente a moça do banco da frente, agora cara a cara. Demoraram-se um no outro, por alguns segundos. E por fim, separaram-se. Cada olhar seguiu seu caminho. Assim, como a normalidade de tudo mandava. A garota sentada num banco do ônibus, já não tinha uma fisionomia tão triste, ou sequer, pensamentos desolados. Afinal, apesar de tudo, fora notada por um simples olhar normal.

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